segunda-feira, 1 de março de 2010

O enigma do narrador oculto



Aos incrédulos que não enchergam para além da resposta óbvia – delírio, esclareço que todos os seres aqui falantes sou eu. Portanto, trata-se de um monólogo em forma de diálogo. Nomeá-los-ei para que me faça entender minimamente. Não que isso tenha importância.

Os outros estão atrasados. Sozinho, aguardo, de fato conformado com o inevitável. Assim é porquê dentro de mim encontro todas as justificativas. Miguel atrasou-se porquê não conseguiu decidir se viria ou não. Afinal de contas, o céu indicava chuva dentro em breve e não gostava de se molhar. A probabilidade de ser atingido por um raio aumentara e não conseguia pensar em nenhuma roupa que combinasse com a ocasião. Mesmo sendo um encontro casual. Tivera aquele sonho esquisto, o mesmo que se repete vez ou outra desde que tinha dez anos, no qual aparece completamente nú perante o desfile de comemoração da independência do país. Por tanto se repetir, e por obra do acaso, acabou por se constituir um sonho de alerta para um dia cuja melhor maneira de aproveitá-lo é ficando em casa e de preferência na cama.

Augusto ficou preso no trabalho. De última hora chegou um fax com informações de extrema importância que acabaram por desandar com todo o fechamento do jornal. Teria que fazer hora extra pela quarta vez naquela semana. É o que ele diz à esposa. Liga para a mulher para avisar do atraso, que, por sua vez, se chateia por ter mandado o amante ir embora sem necessidade.

Pedro comia a secretára, de quatro, no chão do escritório. Já lá estava há quase uma hora. Lembrou-se do encontro no café enquanto mudava de posição. Atirou ao chão os objetos sobre a mesa de forma que pudesse fodê-la segurando suas coxas para cima apoiando suas mãos por de trás dos joelhos dela. Conseguia vê-la num quadro completo da fantasia. Sintas ligas e botas pretas até os joelhos. Gozou alguns minutos depois.

Todos deram suas explicações ao chegarem. Não tinhamos segredos entre nós. Miguel falou da pequena indigestão que teve logo na porta de casa. Augusto contou do caso de corrupção que chegou em sua mesa naquela tarde e Pedro da consulta ao dentista embora cheirasse claramente a sexo. Ficamos em silêncio. Pedimos outra rodada. A casa estava cheia, era sexta-feira e não queríamos gerar nenhum inconveniente para além do estranhamento de um pedido de quatro cafés de uma vez. Atraímos alguns olhares, fato.

Miguel: Tá todo mundo reparando na gente. É o meu cabelo? Eu tô sentindo que tem alguma coisa de estranho comigo. Gente, eu tive aquele sonho de novo. Sabía que não devia ter saido de casa.

Augusto: Já vou avisando que não posso ficar muito. Disse à patroa que faria hora extra para estar aquí com vocês mas já é a quarta vez na semana pessoal. Daqui a pouco levo chifre e não tinha nem como ser diferente né...

Pedro: Gente, olha alí. Aquelas moças alí tão aguardando lugar pra sentar, são três. Augusto não conta... e então? Que acham?

Meia hora depois de muito riso forçado e insitência, conseguimos trazer uma delas para sentar conosco.

Khelly: Qual de vocês que é dono de empresa mesmo?

Pedro: Sou eu, 22cm, ANOS! É, 22 anos já no ramo do comércio.

Khelly: Comércio de quê mesmo?

Pedro: Material de construção.

Khelly: Ah...

Miguel: Eu atualmente sou desempregado, 12 cm, MESES, M-E-S-E-S! É...12 meses já...

Khelly: É né... mas hein?! E você Augusto, quê que cê faz?

Augusto: Sou jornalista há mais de 15 anos. Editor geral do caderno de Política do jornal daqui da cidade.

Khelly: Ah... política né... é...Conhece gente importante... Tudo ladrão. Uma vez fui chamada na casa de um desses figurões. Fez uma lambança... e ainda pediu desconto. Depois fui ver, e o cheque era sem fundo. Me fodi né...

A conversa não conseguiu ficar interessante em nenhum momento da noite. Paguei a conta. Voltei pra casa, de onde sabia que não deveria ter saído. Encontrei as meias de outro homem em baixo da cama, mas antes fodi com Khelly no banco de trás do carro em uma esquina qualquer e paguei com dinheiro falso. Uma nota de cem. Quando percebi que o dinheiro era falso, me sentí traído e sujo, mas por pouco tempo. Já estava conformado. Não havia segredos entre nós. Porquê, dentro de mim, eu encontro todas as justificativas.